"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Urtica membranacea Poir.

Nomes comuns:
Urtiga; urtiga caudada; 
urtiga-de-caudas; urtiga-menor-caudada

Em todos os solos saudáveis existem miríades de sementes de diferentes tipos de ervas que crescem de forma espontânea. De cada vez que os solos são remexidos ou recebem a frescura da chuva invernal umas quantas germinam, crescem e produzem flores e frutos, completando o ciclo que leva a que mais sementes sejam depositadas nos solos. Sob o ponto de vista do agricultor ou do jardineiro elas são um aborrecimento e uma carga de trabalhos, porque se não forem retiradas prejudicam o rendimento agrícola ou a estética do canteiro das flores. 
Generalizando, habituámo-nos a classificar de “daninhas” todas estas ervas que aparecem sem serem cultivadas, independentemente de causarem dano ou não. Tal termo é incorreto e altamente injusto, uma vez que a mesma erva pode ser daninha ou benéfica, consoante o local e a situação em que se encontra, e na medida em que é, ou não, desejada por nós, humanos. A verdade é que ainda não se encontrou o vocábulo certo para designar as plantas espontâneas cujo valor comercial não é reconhecido e que, não manifestando comportamentos sistematicamente agressivos e invasores, são fundamentais para a manutenção da biodiversidade e a saúde do meio ambiente. De facto, elas são o sinal de que que a natureza luta por todos os meios para criar os equilíbrios entre a vegetação, o solo e a fauna. Estas ervas, que podem ser também arbustos, protegem os solos da erosão provocada pela chuva e pelos ventos, contribuem para manter a humidade dos solos ao reduzir o aquecimento da superfície pela radiação solar e providenciam alimento e abrigo à fauna selvagem. E, uma vez mortas, a sua massa verde decompõe-se e incrementa os teores de matéria orgânica e nutrientes no solo, além de que as espécies maiores mobilizam o solo através do desenvolvimento radicular.
Mesmo as plantas mais simples podem ser uma mais-valia num jardim, criando estruturas ou servindo de cobertura de solo ou até aligeirando o efeito de plantas mais elaboradas, pelo que não deve ser esquecida a vertente ornamental.
Muitas destas ervas ou as suas sementes, não só são comestíveis, como também muito nutritivas, representando uma fonte adicional de vitaminas e minerais. Outras fornecem óleos essenciais utilizados em perfumaria ou são utilizadas na farmacopeia popular devido às propriedades curativas que possuem. 
Curiosamente, estas ervas parecem perceber que só podem contar consigo próprias. Por isso mesmo, as estratégias que adoptam para sobreviver são verdadeiramente inteligentes. Um dos problemas que enfrentam é a seca, sobretudo em regiões que não são especialmente dadas a chuva. Felizmente, neste outono e inverno têm recebido um reforço extra de humidade e ei-las a aproveitar as condições favoráveis, enquanto duram. Por exemplo, as urtigas estão belíssimas e com ar saciado. O quê? Urtigas? É verdade, vamos falar de urtigas, uma riqueza ao dispor da nossa saúde e do meio ambiente, mas barbaramente desperdiçada.  
Urtica membranacea
As urtigas, ervas incómodas e de má fama, estão rotuladas como “daninhas” pela maioria dos nossos contemporâneos. Aparecem de forma abundante e sem serem convidadas nas nossas hortas e jardins e dão um trabalhão a quem se quer livrar delas, já para não falar da forma como elas se sabem defender. 
Urtica membranacea - pelos urticantes
É que, toda a planta se encontra coberta de pelos de sílica chamados urticantes, os quais se assemelham a agulhas hipodérmicas e que, ao serem tocados de forma descuidada, injetam na pele um conjunto de compostos químicos (entre eles, o acido fórmico) que causam ardor e sensação de queimadura durante algumas horas. Estas picadelas e o respetivo desconforto que causam não são prejudiciais para a generalidade das pessoas, antes pelo contrário, elas estimulam a circulação (sei de quem se tenha curado das frieiras com as picadelas das urtigas) e sabemos que em gerações passadas era costume fustigarem as partes do corpo com urtigas para aliviar dores musculares e reumáticas.
Urtica membranacea
Na realidade, as urtigas são injustamente desprezadas e descarta-las é um desperdício que resulta em nosso prejuízo. Tudo o que sabemos ou já lemos sobre os efeitos benéficos das urtigas não caberia num único livro. Para começar, as urtigas são um ótimo auxiliar na agricultura ou jardinagem. O seu rico teor em minerais tem efeito regulador sobre o ferro e azoto do solo, estimulando o crescimento das plantas e os seus compostos químicos e conferindo-lhes proteção contra pragas e doenças. As urtigas podem ser diretamente incorporadas no solo ou partidas em pedaços e colocadas nos covachos de plantação, nomeadamente de flores, tomateiros ou batateiras e outros, servindo de fertilizante e protetor ao mesmo tempo. Na compostagem as urtigas aceleram a decomposição dos resíduos. A calda de urtigas obtida através da maceração das plantas em água durante 4 dias é um poderoso inseticida natural e se se deixar macerar durante um par de semanas obtém-se um chorume que é utilizado como fertilizante. No que me diz respeito, já há anos que reservo um espaço só para as urtigas (para prevenir pragas e doenças) embora não desdenhe das que vão nascendo noutros canteiros.
A Urtica membranacea protege os legumes e e as flores de pragas e doenças
As urtigas são riquíssimas em vitaminas do grupo B, C e K, betacaroteno (pigmento antioxidante) e também em minerais como o ferro e o magnésio, oligoelementos, cálcio, sais, fosfatos e ainda aminoácidos (entre eles a lisina, muito importante na absorção do cálcio) e proteínas.
Em tempos, as urtigas já fizeram parte da cozinha dos portugueses. Foram caindo em desuso à medida que a vida das populações rurais foi melhorando. Hoje em dia regista-se um renovado interesse pelas espécies silvestres e a urtiga faz parte da lista. Até já foi instituída a Confraria da Urtiga, sediada em Fornos de Algodres. Esta associação tem como objetivo a valorização e divulgação da urtiga, bem como de outros vegetais silvestres.
Usam-se como qualquer outro legume de folha, por exemplo em sopas, refogados, omeletas, misturada com arroz ou em esparregado. Utilizam-se apenas as folhas pois os caules são muito fibrosos, sendo aconselhável a manipulação da planta com luvas. Os pelos urticantes perdem ação poucas horas depois de colhidas ou logo que metidas em água a ferver. A textura das folhas, depois de cozinhadas, não é tão aveludada como o espinafre mas também não é tão áspera como a nabiça. O gosto é pouco pronunciado, pode ser mesmo considerado agradável, embora um pouco diferente, o que não deixa de ser estimulante para o paladar. As folhas podem secar-se e ser usadas para fazer infusões. As infusões preparam-se colocando algumas folhas de urtigas verdes ou secas num recipiente sobre o qual se despeja água a ferver. Deixa-se repousar por 10 minutos e está pronta a beber, recomendando-se 2 a 3 chávenas por dia durante períodos de 3 semanas. O seu efeito benéfico pode ser potenciado através da combinação com outras ervas medicinais. Preferencialmente devem colher-se as folhas antes de a planta dar flor pois é nessa altura que são mais ricas nos seus princípios ativos (evitar de recolhe-las na beira das estradas ou em locais igualmente poluídos). O processo de secagem é simples: basta colocar as plantas em local seco e escuro durante cerca de 3 semanas.
As urtigas têm variadas e extensas propriedades terapêuticas, sendo usadas não só a nível interno, através de chás, mas também a nível externo por meio de cataplasmas e compressas. Fortalecem o sistema imunitário e são um poderoso fortificante geral, depurativo, regenerador do sangue e estimulante das funções digestivas. Um dos seus compostos é a serotonina  que atua no cérebro regulando o humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal, sensibilidade à dor, movimentos e as funções intelectuais. Os teores de ferro, silício e de vitaminas B2 e B5 dão-lhe um excelente poder remineralizador, ajudando a combater a queda do cabelo e fortalecendo as unhas, além de que são muito eficazes no tratamento da acne, eczema, psoríase e outras afeções cronicas da pele. As urtigas também previnem a anemia pois contêm muita vitamina C, indispensável para a absorção do ferro. E também são diuréticas, reduzem o ácido úrico e auxiliam nos casos de gota e pedra nos rins; retardam a hipertrofia da próstata; aliviam as artroses, artrites e as afeções reumáticas; o seu poder hipoglicemiante ajuda a baixar o teor de açúcar no sangue; estimulam a irrigação sanguínea de todas as partes do corpo, controlam as hemorragias, amenizam os sintomas da rinite alérgica, sinusite e asma, etc. Entretanto, continuam a ser feitos estudos sobre as potencialidades das urtigas e vão surgindo notícias e relatos de cura de tumores malignos através de tratamentos com urtigas.
As urtigas pertencem ao género Urtica, um dos 45 géneros da família Urticaceae.
Em Portugal crescem de forma espontânea 4 espécies de urtigas , todas elas partilhando as mesmas ou semelhantes características terapêuticas. A espécie de urtiga mais comum entre nós é a Urtica membranacea. Esta espécie é nativa de Portugal continental e Arquipélago da Madeira, tendo sido introduzida no Arquipélago dos Açores.
Urtica membranacea - raiz
A Urtica membranacea cresce e dá-se bem em qualquer tipo de solo, de preferência em pleno sol mas também em locais sombrios.  Gosta de solos húmidos e perturbados, ricos em matéria orgânica. Sendo uma erva de características ruderais encontra-se mais facilmente em locais frequentados pelo Homem, perto de habitações, berma dos caminhos, muros rurais, campos cultivados e remexidos.  
É uma planta anual de vida longa, podendo ser encontrada desde o princípio do inverno até ao fim da primavera, prolongando-se pelo verão se se mantiverem as condições ideais de humidade do substrato.
Urtica membranacea - caule 
Os caules são simples eretos, ascendentes, canelados e raramente ramificados desde a base; normalmente chegam aos 30 ou 40 cm de altura embora se possam encontrar plantas bastante mais altas. Por vezes os caules apresentam-se de cor avermelhada e apresentam pelos urticantes.

As folhas dispõem-se nos caules de forma oposta e são ovais ou arredondadas quanto à forma, com margens dentadas, com dentes quase tão compridos quanto largos. Ambas as páginas têm nervuras bem visíveis e pelos urticantes, flexíveis na base. O pecíolo é mais curto que o limbo. 
Urtica membranacea - Estipulas
Veja nota sobre a utilidade das estipulas AQUI.
Nos nós existem 4 estipulas, duas de cada lado do caule, em lados opostos, estando soldadas aos pares o que dá a ideia de serem apenas 1 de cada lado do nó.
Urtica membranacea - estipulas 
Urtica membranacea é uma espécie dióica, ou seja, as plantas ou são masculinas ou são femininas. Por vezes estas plantas podem ser monóicas, embora raramente. Neste caso apresentam flores masculinas + flores femininas na mesma planta.
As flores, de tamanho diminuto, reúnem-se em inflorescências que nascem nas axilas das folhas e estão dispostas em cachos estreitos, também semelhantes a espigas simples e arredondadas, implantadas em redor de um eixo roliço. 
Urtica membranacea - planta masculina
As plantas masculinas apresentam inflorescências mais compridas que os pecíolos das folhas e posicionam-se na parte superior da planta. 
Nas flores masculinas as peças florais que rodeiam os órgãos sexuais (perianto) são 4 lóbulos iguais e de forma arredondada, livres, membranosos, pubescentes e avermelhados; os 4 estames são salientes e existem rudimentos de um ovário.


Inflorescência masculina de Urtica membranacea em processo de amadurecimento, antes dos estames se tornarem visiveis


Urtica membranacea - inflorescência masculina (pormenor das flores em que os estames estão bem visíveis)
Nas plantas femininas as flores estão mais resguardadas, posicionando-se sempre abaixo do topo da planta. 
Urtica membranacea - planta feminina (foram removidas algumas das folhas para melhor se poderem observar as inflorescências)
As flores femininas formam cachos mais curtos que os pedicelos; as 4 peças do perianto são esverdeadas, membranosas e desiguais, sendo as duas internas maiores e persistentes na maturação do fruto; os órgãos sexuais exibem pequenos estaminódios (estames estéreis) e um ovário supero unilocular (apenas um compartimento) do qual surge um estilete simples com estigma capitado (em forma de cabeça).
Urtica membranacea - inflorescências com flores femininas
Urtica membranacea - flores femininas
Os frutos são ovóides, achatados e brilhantes e estão envoltos pelas duas peças internas do perianto que são persistentes.
Termino deixando-lhe um link para este video. Não deixe de ver.

Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã



3 comentários:

  1. Excelente artigo! O mais completo sobre urtigas que encontrei. No entanto parece que há um lapso sobre a sua definição de planta monóica, onde diz "Urtica membranacea é uma espécie monoica, ou seja, as plantas ou são masculinas ou são femininas". Segundo a descrição na Wikipedia, plantas monóicas apresentam órgãos sexuais do mesmo sexo!

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    1. Marco,
      Agradeço o seu comentário e sobretudo a sua chamada de atenção. Na realidade houve um lapso da minha parte o qual já foi devidamente corrigido. Mais uma vez obrigado e volte sempre.

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  2. Felicito o melhor artigo sobre urtigas.
    Depois de identificar como U. membranosa a que nasceu num pequeno vaso, qual alfobre de um ainda pequenino limoeiro semeado, precisava de confirmar se se tratava de uma planta monoica, ora só aqui consegui encontrar uma cabal explicação com imagens e tudo. Muito bom!

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