"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





domingo, 19 de outubro de 2014

Helminthotheca comosa (Boiss.) Holub

Helminthotheca comosa (Boiss.) Holub = Picris spinifera Franco

Nomes comuns:
Raspa-saias-espinhosa; repassage


O meu post anterior foi dedicado à espécie Heminthotheca echioides , tendo sido feita uma breve introdução à sua nova taxonomia. Pois bem, a espécie que apresento hoje, mais conhecida por Picris spinifera, encontra-se na mesma situação ou seja, foi também transferida de Picris para o género Helminthotheca.
Nota: as outras duas espécies relacionadas, endémicas da Península Ibérica e que ocorrem em Portugal, não sofreram alteração de género , mantendo-se em Picris. Refiro-me a Picris hieracioides subsp. longifolia (Boiss. & Reut.) P.D.Sell (norte de Portugal) e a Picris willkommii Nyman (Algarve).
Helminthotheca comosa é uma planta herbácea e de aspeto espinhoso, autóctone do sul e oeste da Península Ibérica, com grande incidência em Portugal. Cresce em solos pedregosos e ressequidos, mais frequentemente em clareiras de matos ou bosques de espécies tipicamente mediterrânicas.
É uma espécie bienal ou perene de vida curta que seca no verão para ressurgir na primavera seguinte, as primeiras folhas formando uma roseta rente ao solo.

Os caules que surgem desta roseta podem ir dos 30 aos 90 cm de altura e são eretos, ramificados na metade superior, com acúleos cobertos de um indumento formado por pelos minúsculos e espinhosos (os acúleos diferem dos espinhos porque ao contrario destes não estão ligados ao caule por feixes vasculares, sendo por isso mais fáceis de destacar).
Os caules praticamente só têm folhas no terço inferior. As folhas basais têm pecíolos curtos e as caulinares, bastante mais pequenas, são sesseis e frequentemente avermelhadas. Na generalidade as folhas apresentam acúleos inchados na base e alguns pelos rígidos.
Sendo esta uma espécie da família Asteraceae  as flores estão agrupadas em capítulos, o tipo de inflorescência característico desta família.
Nesta espécie todas as pequenas flores são liguladas, de cor amarelo dourado e são flores hermafroditas, apresentando órgãos femininos e masculinos férteis. Os estames estão escondidos pelas “pétalas” mas entre elas veem-se os braços estigmáticos também de cor amarela.
As peças florais estão protegidas por um invólucro formado por 3 camadas de brácteas, as exteriores ovadas, obtusas e arredondadas na base.
As brácteas médias e as interiores são mais longas e estreitas e estão providas de pontas agudas e rígidas que excedem claramente as extremidades. Este invólucro de brácteas é distintivo do género Helminthotheca, no qual esta espécie foi agora incluída.
Helminthotheca comosa floresce e frutifica de maio a junho. Os frutos são cípselas e consistem num pequeno fruto com uma única semente.
Estes frutos têm formato estreito e cilíndrico, são de cor acastanhada e estão providos de papilho numa das extremidades.
O papilho ou papus é um tufo de pelos brancos, sedosos e compridos que ajudam as cípselas a flutuar como se fossem pequenos para-quedas pilosos, auxiliando na dispersão dos frutos pelo vento e servindo como defesa contra a herbivoria.
Embora algo semelhante, a Heminthotheca comosa diferencia-se facilmente da espécie tratada no post anterior (Heminthotheca echioides), pois é obviamente mais espinhosa. No que diz respeito às flores, a morfologia das brácteas das duas espécies é diferente, assim como a cor dos braços estigmáticos situados à superfície das “pétalas”.
Amaral Franco (1921-2009), conceituado botânico e sistemático português, descobriu que esta espécie apresentava algumas variações morfológicas que justificavam a separação em duas subespécies, classificação que foi aceite pelas autoridades competentes (1975):
Picris spinifera subsp. spinifera – endemismo Ibérico, existente em Portugal nas regiões centro e sul.
Picris spinifera subsp. algarbiensis – endemismo português do Algarve.
Agora que esta espécie passou do género Picris para o género Helminthotheca tentei encontrar os nomes científicos atualizados referentes às duas subespécies acima mencionadas. Contudo as principais bases de dados (IPNI, The Plant List, Euro+Med PlantBase) apenas dão um único resultado válido para uma subsespécie. AQUI e AQUI , The Plant List e Euro+Med Plantbase atestam que Helminthotheca comosa (Boiss.) Holub é o novo nome aceite para a espécie e que Helminthotheca comosa subsp. lusitanica (Schltdl.) P.Silva & Escudeiro é o nome da subespécie. Entretanto fico na dúvida se este nome se refere à subsespecie spinifera ou à subsp. algarbiensis.

As populações de Helminthotheca comosa apresentam um grande polimorfismo sobretudo na quantidade de acúleos e pelos que cobrem caules e folhas, no tamanho do invólucro e na morfologia, tamanho e pilosidade das brácteas externas do capítulo. Também os frutos maduros apresentam variações especialmente no que diz respeito ao comprimento do pico (filamento que liga a parte da semente ao papilho). 
Ao longo dos tempos, esta espécie suscitou grande interesse por parte de vários botânicos que a estudaram de forma isolada e por vezes baseados em critérios diferentes. Segundo os métodos tradicionais a classificação de uma espécie era feita apenas através da simples comparação de determinado conjunto de características com outras espécies semelhantes, estando sujeita à interpretação do pesquisador. Tendo em conta a deficiente comunicação disponível na época (situação que a internet veio, recentemente, facilitar enormemente) podemos compreender que classificações diferentes tenham sido propostas e aceites, tendo vindo posteriormente a descobrir-se que se tratava da mesma espécie. Contudo, segundo as regras existentes, as espécies e subespécies podem ter apenas um nome válido dentro de um género específico, o ultimo a ser aprovado (salvo algumas exceções previstas). Os nomes anteriores continuam para sempre ligados às espécies em causa, mas passam para a categoria de sinónimos.

Fotos: Arribas do Caniçal/Lourinhã


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Helminthotheca echioides (L.) Holub

Helminthotheca echioides (L.) Holub = Picris echioides L.

Nomes comuns:
Erva-tábua; picre-de-língua-de-víbora; raspa-pernas;
raspa-saias; repassage; rompe-saias; serralha-da-rocha

Todas as flores dos capítulos de Helminthotheca echioides são liguladas

Helminthotheca echioides é uma espécie da família das Asteraceae ou Compositae, uma das maiores e mais representativas do reino Plantae. As espécies desta família distinguem-se facilmente pelas suas inflorescências agrupadas em capítulos. Este tipo de inflorescência é formado por muitas flores de tamanho diminuto que se agrupam de forma compacta num só pedúnculo, aninhando-se diretamente num recetáculo em forma de disco, parecendo constituir uma única flor; geralmente, as flores periféricas apresentam prolongamentos unilaterais chamados lígulas os quais são semelhantes a pétalas (flores liguladas) ao passo que as flores do centro do disco são simples, sem prolongamentos (flores tubulosas). Esta estratégia reduz o investimento necessário para atrair os polinizadores pois apenas uma pequena porção das flores produzem “pétalas” beneficiando todas as outras. Contudo, na família Asteraceae também existem espécies que apresentam apenas flores tubulosas ou apenas flores liguladas.

Exemplos de capítulos:
À esquerda Helichrysum italicum - capítulos apenas com flores tubulosas
À direita Pulicaria odora - capitulo com flores tubulosas no centro e liguladas na periferia
Helminthotheca echioides  floresce durante o verão ao mesmo tempo que inúmeras espécies da mesma família sendo, à primeira vista, difíceis de distinguir umas das outras. Parecem todas semelhantes devido às suas flores do tipo malmequer, muitas delas de cor amarela, como se pode conferir no Portal Flora-on
No entanto, cada uma tem as suas características muito próprias, embora nem sempre sejam imediatamente evidentes. As primeiras classificações científicas basearam-se apenas nas semelhanças morfológicas mas os novos métodos de biologia molecular permitem ter uma visão mais abrangente e consistente com o princípio da ascendência comum. O objetivo atual é classificar as espécies de modo a formar grupos monofiléticos, os quais devem incluir todos as espécies do ascendente imediato comum incluindo o próprio ascendente imediato comum. Em consequência, tem havido múltiplas alterações na classificação das espécies. A família Asteraceae, devido à sua imensa diversidade e semelhança morfológica é uma das mais difíceis e tem sido um grande desafio para os cientistas.
Helminthotheca echioides já pertenceu ao género Picris mas recentemente foi transferida para o género Helminthotheca. O nome atualizado desta espécie é Helminthotheca echioides mas o nome Picris echioides continua valido como basiónimo, ou seja, como primeiro nome atribuído a esta espécie.
Nota: quando uma espécie muda de género o nome do autor do basiónimo é citado entre parêntesis, seguido do nome do autor que fez a nova combinação. Neste caso: novo nome Helminthotheca echioides (L.) Holub;  basiónimo Picris echioides L.
Os cientistas descobriram que Picris e Helminthotheca são dois géneros monofiléticos, isto é, embora sejam parentes muito próximos têm ascendentes imediatos diferentes.

Helminthotheca echioides é uma espécie nativa de Portugal continental e Madeira, Espanha e países da bacia do mediterrâneo, estando naturalizada nos Açores e em países da Europa central e do norte, África do sul, Austrália, Nova Zelândia e América do Norte e do sul.
Cresce abundantemente em campos agrícolas incultos ou cultivados, na borda dos caminhos, em terrenos baldios. Gosta dos solos húmidos e perturbados os quais são ricos em azoto.
Distribuição em Portugal Continental
Fonte: Flora Digital de Portugal-Jardim Botânico da UTAD
É uma planta herbácea, anual ou bianual que apresenta caules eretos e ramificados de forma irregular, os quais podem chegar aos 100 cm de altura ou mais. Os caules, estriados longitudinalmente, são robustos, grossos e resistentes e estão cobertos com alguns pelos rígidos.
Todas as folhas são de um tom verde acinzentado e são ásperas ao toque devido a numerosos pelos rígidos desiguais e também a alguns espinhos dispersos. As primeiras folhas formam uma roseta ao nível do solo e apresentam pecíolos longos e forma elíptica ou lanceolada, com margens sinuadas a dentadas. As folhas caulinares são semelhantes às basais mas são mais pequenas e são amplexicaules, isto é, não têm pecíolos e abraçam os caules.
As flores estão reunidas em capítulos. Todas as pequeníssimas flores são liguladas ou seja, todas as flores têm um prolongamento em forma de pétala e não apenas as da periferia do disco. As lígulas são todas amarelas, de um tom dourado e são dentadas, no extremo exterior. Todas as pequenas flores dispõem de órgãos sexuais funcionais masculinos e femininos, respetivamente androceu e gineceu. Os estames, com anteras cilíndricas e tubulosas, são 5 mas não são visíveis pois os filamentos são muitíssimo curtos. Na realidade as anteras abrem quando a flor ainda está em botão e os polinizadores banqueteiam-se com o pólen que fica espalhado à superfície, noutras partes da flor (apresentação secundária de pólen). Os estiletes são do comprimento dos estames e cada um apresenta dois estigmas muito longos, cujos braços são de cor escura e que são bem visíveis entre as “pétalas” durante a sua fase fértil.


As peças florais estão protegidas por um invólucro duplo de brácteas os quais formam uma espécie de epicálice, morfologia esta que é característica do género Helminthotheca e que permite distingui-lo do género Picris. As brácteas externas deste involucro estão separadas das internas e são ovais ou em forma de coração (cordatas), com as margens espinhosas e a superfície coberta de pelos duros e espessos; as internas são mais estreitas e mais compridas e tem uma arista (uma formação delgada mas longa e rígida) na parte dorsal. 
A Helminthotheca echioides floresce e frutifica de março a agosto, dependendo da disponibilidade de água no solo.

Os frutos são cípselas e consistem num pequeno fruto com uma única semente. Estes frutos têm formato estreito e cilíndrico, são de cor acastanhada e estão providos de papilho numa das extremidades. O papilho ou papus é um tufo de pelos brancos, sedosos e compridos que ajudam as cípselas a flutuar como se fossem pequenos para-quedas pilosos, auxiliando na dispersão dos frutos pelo vento e servindo como defesa contra a herbivoria.
Em medicina tradicional a Heminthotheca echioides tem sido utilizada como vermífugo, anti-inflamatório e anti-hemorrágico.
As folhas são comestíveis mas deve ter-se o cuidado de escolher as mais jovens por serem menos amargas.
Apresentação secundária do pólen:
"A apresentação secundária do pólen (ASP) é uma característica universal entre as Asteraceae"
Este é um processo especializado através do qual o pólen é apresentado aos polinizadores de forma indireta. Isto é, o pólen continua a ser produzido pelas anteras mas é transferido para outras peças florais, como os filetes, as pétalas ou os estiletes, antes da abertura da flor.
Em muitas espécies o pólen é exposto aos visitantes pela própria antera mas neste sistema as anteras libertam o pólen de forma precoce, com a flor ainda em botão. Os estames formam um tubo em torno do estilete imaturo com as aberturas das anteras viradas para dentro. À medida que cresce e se alonga dentro do tubo anteral o estilete arrasta os grãos de pólen para o exterior da flor onde ficam retidos nas pétalas ou nos filetes, auxiliados por pelos, papilas ou outras adaptações especificas. Assim o pólen é apresentado aos polinizadores na superfície da inflorescência enquanto o estigma ainda não está recetivo, facilitando a polinização cruzada. Posteriormente o estigma amadurece e fica recetivo, abre os seus braços e aguarda que os insetos lhe tragam o pólen de outras plantas. 
Os grãos de pólen são um investimento caro e de grande valia para as plantas pois são eles os responsáveis pela formação dos gametas masculinos e pelo transporte destes para o saco embrionário, onde ocorrerá a fertilização. 
Na apresentação secundária de pólen apenas pequenas quantidades de pólen são apresentadas de cada vez, aumentando assim as hipóteses de alcançar maior número de polinizadores. Por isso, supõe-se que a apresentação secundaria de pólen seja um comportamento que tem a ver com a economia de custos da produção, evitando o desperdício e tornando a polinização mais eficiente.

Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã