"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





terça-feira, 23 de setembro de 2014

SISTEMAS DUNARES DO LITORAL - Parte II

"As dunas litorais portuguesas possuem uma notável riqueza florística no contexto europeu"

A vegetação litoral mediterrânica, em especial a vegetação dunar portuguesa, detém uma elevada importância visto ser muito antiga (Costa, 1984 in Silva, 2006). 
As glaciações do Quaternário, menos severas em Portugal do que noutros locais da Europa, permitiram a sobrevivência de um grande número de espécies do Cenozóico que se extinguiram no resto do continente europeu" (Jansen, 2002).
Vista panorâmica do sistema dunar do Areal Sul, desde o topo da duna secundária até à foz do rio Grande, na Praia da Areia Branca.
Muitos dos sistemas dunares do litoral português formaram-se junto à desembocadura dos rios. Os sedimentos transportados pelas águas fluviais, as correntes marítimas e o vento, associados a certas características geológicas fluviais, nomeadamente vales largos e plataformas em forma de rampa, contribuíram para a deposição de grandes quantidades de areia. Foi assim que o sistema dunar do Areal sul, na Areia Branca/Lourinhã, se formou no amplo espaço proporcionado pelo declive acentuado, junto à foz do chamado rio Grande.

Como se formam as dunas
As dunas do litoral começam a formar-se quando a areia, empurrada pelo vento, encontra um pequeno obstáculo, uma pedra ou uma planta, numa zona perto da orla do mar mas suficientemente longe da rebentação.
A duna cresce de barlavento (de onde sopra o vento) para sotavento (para onde sopra o vento) e avança na direção do vento predominante.
Por ação contínua do vento dominante e havendo suprimento suficiente de partículas arenosas, aquilo que começa por ser um montinho de areia vai aumentando de tamanho e movimentando-se no sentido do vento, podendo alcançar vários metros de altura. Pelo mesmo processo de formação e evolução vão surgindo novas dunas, ou seja, atrás de uma duna frontal existem outras cristas dunares, formadas em períodos anteriores, progressivamente mais antigas à medida que nos afastamos do mar. É assim que se formam os sistemas dunares, alguns simples, outros bastantes complexos.

Para que se mantenha o equilíbrio no desenvolvimento dos sistemas dunares costeiros é necessário que se mantenham as deposições regulares de partículas arenosas. É também fundamental que se estabeleça uma relação de complementaridade entre as praias e as dunas mais próximas do mar. Isto é, durante o verão é expectável que se registe uma acumulação regular de areia nas dunas frontais. Esta é uma reserva necessária tendo em conta que muita areia é arrastada para o mar durante as tempestades de inverno. Caso o sistema dunar esteja em equilíbrio essas partículas arenosas serão novamente lançadas na praia durante a época do bom tempo e em seguida, transportadas pelo vento até às dunas.

Tipologia dunar
Esquema de um sistema dunar simples tendo por base as dunas do Areal Sul.
Quando as dunas se multiplicam formam-se sistemas dunares que podem ser muito complexos e extensos, como é o caso da Costa da Caparica.
As dunas tomam formas e disposição diversas em função da intensidade e orientação dos ventos dominantes. Na costa oeste de Portugal o vento sopra predominantemente de Noroeste, pelo que geralmente as dunas crescem do litoral para o interior, formando dunas secundárias paralelas entre si mas transversais ao sentido do vento dominante.
“As dunas transversais são representadas por corpos arenosos de cristas rectas ou ligeiramente curvas, alinhadas perpendicularmente à direcção dominante do vento. Apresentam uma forma simples decorrente de um regime de vento unidireccional, possuindo uma única face de deslizamento, a qual é direccionada para sotavento” (Branco et al., 2003).
As dunas que estão mais perto do mar são móveis e instáveis devido à contínua movimentação de partículas arenosas por ação  do vento; as que se situam atrás das dunas móveis, numa posição mais recuada em relação ao mar e portanto mais protegidas do vento, vão-se tornando mais fixas na medida em que forem sendo estabilizadas pela vegetação; as dunas fósseis são as mais recuadas de todas, tendo sido consolidadas pela aglutinação progressiva dos grãos de areia, num processo que demorou milhares de anos.
À duna situada mais perto do mar geralmente chama-se duna primária; as seguintes chamam-se respectivamente dunas secundáriasterciárias segundo a sua maior ou menor proximidade do mar; o espaço interdunar corresponde à depressão existente entre elas, provocada pelos turbilhões criados pela circulação de ar a sotavento de uma duna.

A importância da vegetação nas dunas
A formação e estabilização de um sistema dunar do litoral é um processo constante e dinâmico no qual a vegetação desempenha um papel extremamente importante, contribuindo para capturar os grãos de areia e prevenindo a erosão provocada pelos ventos e pela chuva. 
A vegetação dos ecossistemas dunares é constituída por plantas especialmente adaptadas a um meio precário que possui características micro-climáticas e edáficas especiais e onde sobreviver não é tarefa nada fácil. O substrato de que dispõem é pobre em nutrientes e instável, podendo ocorrer soterramento. Estão ainda sujeitas à pouca disponibilidade de água doce, a ventos fortes carregados de partículas de sal, luminosidade excessiva e calor no verão e frio no inverno. 
A colonização destes habitats pelas comunidades vegetais não acontece de forma aleatória. De facto, as espécies distribuem-se por zonas conforme a sua especialização. Algumas tornaram-se mais aptas a viver nas areias móveis e instáveis da beira-mar enquanto outras, mais numerosas, preferem colonizar terrenos mais recuados, menos fustigadas pelos ventos fortes e salgados e beneficiando de um solo mais rico em nutrientes.
Para ultrapassarem todas estas limitações e sobreviver num ambiente tão adverso, as plantas tiveram de desenvolver diversas estratégias, através de adaptações de natureza morfológica, anatómica, fenológica e fisiológica (veja mais AQUI).

Interação das espécies vegetais com as dunas
O processo de formação do sistema dunar inicia-se na parte mais recuada da praia, muitas vezes chamada de pré-duna e onde se acumulam os detritos trazidos pela maré. 
Apesar de ser uma zona muito instável e sujeita a frequentes inundações pela água do mar, é colonizada por plantas anuais pioneiras como é o caso da Cakile marítima, espécie tolerante ao sal que, durante o verão, atua como obstáculo à passagem das areias transportadas pelo vento.
É para lá do limite das marés, numa  zona de suave declive e ocasionalmente atingida pelos salpicos das ondas, que surgem as primeiras plantas perenes que vão desencadear o processo de evolução do sistema dunar. A primeira entre todas é a Elymus farctus, gramínea perene de crescimento relativamente rápido, que desempenha um papel fundamental durante a acumulação de sedimentos, favorecendo a colonização do espaço adjacente por outras espécies. 
Para tal, Elymus farctus forma tufos pouco densos junto aos quais se vão acumulando as areias trazidas pelo vento. Estas acumulações de areia vão crescendo e aos poucos vão cobrindo parcialmente a planta. Mas ela não se dá por vencida e para compensar, também ela cresce em altura, evitando sempre o soterramento. Assim, o crescimento em altura da duna depende do desenvolvimento desta planta, o qual é estimulado pelo soterramento.
Neste declive são ainda visíveis outras espécies, nomeadamente Calystegia soldanella e Eryngium maritimum.
Seguem-se as dunas embrionárias as quais constituem a primeira defesa activa da costa e apenas ocorrem em praias onde o fornecimento de areia é constante, como acontece na Praia da Areia Branca. Começam por ser montes de areia originados pela acumulação de areia nos tufos da vegetação e que a dado momento se unem (por vezes não se unem de todo e nesse caso denominam-se nebkas). Formam uma espécie de parede e dão altura à duna, estabelecendo a transição para a duna primária. Esta é a zona mais frágil do sistema dunar devido à sua localização face ao vento que movimenta facilmente os grãos de areia, arrastando-os para o interior. Por esta razão o número de espécies vegetais na duna embrionária é escasso o que facilita o acesso dos veraneantes que procuram abrigo contra o vento, o que geralmente resulta em estragos nestas frágeis estruturas, retardando o processo.
A duna primária é também chamada duna branca por haver bastantes espaços de areia não cobertos por vegetação. Apesar de tudo, a duna primária corresponde a uma etapa já mais evoluída. Embora  caracterizada pela mesma instabilidade do solo arenoso, escassez de nutrientes e água, a vegetação é mais variada. Uma vez iniciado o processo de retenção das areias arrastadas pelo vento, ação em que Elymus farctus tem papel fundamental, outras espécies surgem nas areias, ainda móveis. A mais importante da duna primária é sem dúvida a Ammophila arenaria, muitas vezes chamada construtora das dunas devido à sua enorme capacidade de retenção e fixação de areia.
Esta espécie desponta quando a duna chega mais ou menos a um metro de altura, protegendo-se assim de possíveis submersões pela água do mar, cujo sal não tolera. É maior que a Elymus farctus e forma tufos mais fortes e densos cuja função principal é fixar as areias, permitindo que a duna, em formação, possa ter estabilidade suficiente para que outras espécies nela possam viver. Enquanto os seus densos tufos cortam a força do vento e dão abrigo e sombra, o seu raizame profundo e intrincado funciona como âncora. 
Entre as especies que se podem encontrar na duna primária incluem-se a Euphorbia paralias, Otanthus maritimus, Medicago marina, Pancratium maritimum, Polygonum maritimum e Eryngium maritimum.
As dunas secundárias são também denominadas dunas cinzentas devido ao tom acinzentado que lhes confere a vegetação, quando avistadas de longe. As dunas secundárias diferenciam-se das dunas primárias pela sua situação mais afastada do mar e também porque ocupam uma superfície maior, numa sucessão de cristas e corredores interdunares. As comunidades florísticas são mais densas e desenvolvidas pois o ambiente é mais favorável ao seu crescimento e reprodução. Além da diminuição da intensidade do vento e das partículas de sal, existe maior acumulação de água e matéria orgânica no solo. Pequenas comunidades de espécies subarbustivas alternam com coberto de herbáceas de pequeno tamanho, havendo ainda algumas áreas despidas de vegetação nos locais menos abrigados.
Nas dunas secundárias do Areal Sul podem encontrar-se variadas espécies, entre elas Artemisia marítimaHelichrysum italicum, Sedum sediformeMalcolmia littoreaOnonis ramosissimaCrucianella maritima,  Anagallis monellie alguns endemismos como Iberis procumbens e  Armeria welwitschii .
A duna terciária, também chamada duna castanha, caracteriza-se pelos solos ricos em húmus. As espécies são maioritariamente arbustivas e arbóreas, de que se destaca Juniperus phoenicea.

Fatores de ameaça
As dunas são importantes muralhas naturais contra o avanço do mar, defendendo pessoas e bens, pelo que é nossa obrigação tomarmos consciência da importância da sua preservação, antes que seja tarde demais. Mesmo quando parecem estabilizadas as dunas são zonas sensíveis cujo equilíbrio pode ser perturbado por vários fatores. À parte a erosão costeira provocada por fenómenos naturais, a intervenção humana é a grande responsável pela degradação da maior parte dos sistemas dunares europeus.
A circulação descuidada é um dos principais fatores de perturbação das dunas, originando redes de caminhos e clareiras no meio da vegetação. Quando as plantas são pisadas e destruídas podem demorar dezenas de anos para se recompor - podendo nem chegar a fazê-lo - deixando entretanto a areia nua, incapaz de oferecer resistência ao vento e pondo todo o sistema dunar em risco de colapso.
Certas plantas exóticas foram introduzidas nos ecossistemas costeiros. Devido ao seu comportamento invasor essas espécies têm vindo a ameaçar a sobrevivência das espécies nativas das nossas dunas. O caso mais grave é o do Carpobrotus edulis, espécie importada da África do Sul e vulgarmente conhecido por chorão, que se propaga com rapidez, cobrindo extensas áreas e sufocando as outras plantas até à morte.

Fotos: Sistema dunar do Areal Sul / Lourinhã


3 comentários:

  1. a estratégia que terá que ser observada para a Lagoa de Óbidos !

    já que se está a criar artificialmente uma Duna Primária ... então que não se deixe a intervenção "a meio" ... e se avance observando estes modelos !!!

    Mário Carvalho

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