"O grande responsável pela situação de desequilíbrio ambiental que se vive no planeta é o Homem. É o único animal existente à face da Terra capaz de destruir o que a natureza levou milhões de anos a construir"





sábado, 21 de dezembro de 2013

Sugestão de NATAL...

21 dezembro 2013
Começa hoje o inverno e assim se regista, em mais um solstício, o dia mais pequeno do ano. Mas alegremo-nos porque a partir de amanhã, cada dia será maior que o anterior e teremos mais tempo de sol. Nos meses que faltam até à esperada explosão de vida da primavera, aproveitemos para apreciar a beleza das espécies que florescem no inverno pois na sua sábia gestão e sentido de equilíbrio, a natureza também se enfeita durante a época fria.
Seguindo este exemplo dotemos o nosso jardim com algumas espécies de floração invernal e se forem autóctones, melhor ainda! Que tal o alecrim, que além de florescer nesta altura do ano até à primavera, também lhe poderá oferecer uma nova floração no final do verão?

No meu jardim tenho alguns e variados cultivares de Rosmarinus officinalis, vulgo alecrim. Alguns têm porte ereto, outros são semiprostrados e outros ainda prostrados, espalhando-se e enraizando-se pelo solo, com ramos em arco. Os meus alecrins têm flores que vão do azul claro até ao azul quase violeta mas também existem cultivares de flores brancas.

Os Rosmarinus officinalis são plantas bastante tolerantes à seca e formam arbustos muito atrativos do ponto de vista estético e sensorial, sendo muito utilizados em arquitetura paisagista. São também resistentes às pragas e muito fáceis de cuidar. Dão-se bem ao sol, tanto na terra como restringidos em vasos grandes, mas devem ser aparados para evitar o crescimento excessivo e a perda de folhas nos ramos inferiores.

Característica dos climas mediterrânicos, Rosmarinus officinalis é uma espécie espontânea em algumas regiões de Portugal, sendo utilizada desde longa data como planta medicinal e condimento. Nada como uma chávena de chá de folhas de alecrim de vez em quando, para aumentar a sensação de bem-estar!

E assim, um pouco à margem da orientação deste blog aqui fica esta sugestão e algumas fotos de Rosmarinus officinalis do meu jardim, quebrando a ordem autoestabelecida, o que também sabe bem!
Feliz Natal e Bom Ano para todos, que as festas tragam o brilho e o imaginário de que todos necessitamos para nos reciclarmos e recomeçarmos com energias redobradas.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Eruca vesicaria (L.) Cav.


Nomes comuns:
Rúcula; agrião-da-terra; arucula; mostarda-persa; pinchão; rugula

Eruca vesicaria é uma espécie originária da região mediterrânica e oeste asiático, tendo-se propagado a outros continentes. Pode ser encontrada ocasionalmente como espécie espontânea também na Europa central, Ásia central, América do norte e Austrália. É uma das muitas plantas silvestres comestíveis cujo valor nutritivo é inestimável. Votada ao esquecimento durante seculos a Eruca vesicaria voltou a estar em destaque, tendo sido sendo reintroduzida com sucesso na alimentação humana e fazendo parte daquilo a que se convencionou chamar cozinha modernista, ávida de novas técnicas e sabores. Claro que já não é preciso ir busca-la ao campo pois é largamente cultivada e comercializada juntamente com outras espécies semelhantes, todas elas batizadas de rúcula. O seu cultivo faz-se em diferentes países mediterrânicos como a Itália, Grécia, Turquia, Egito, Sudão, Espanha e agora também Portugal.
Como planta silvestre, a Eruca vesicaria é bastante resistente e cresce geralmente em locais soalheiros, bem adaptada a climas temperados de verões quentes e secos. Desenvolve-se em qualquer tipo de solo podendo tornar-se invasiva pois ressemeia-se facilmente.
Podemos encontra-la em jardins ou hortas abandonadas, campos de pousio, orla dos caminhos e de uma forma geral em locais de solo remexido, ricos em azoto.
A Eruca vesicaria é uma planta de ciclo anual que pode crescer dos 20 aos 80 cm dependendo das condições de humidade do solo. É muito aromática, ereta, algo ramificada e coberta com alguns pelos.
As primeiras folhas formam uma roseta basal. As folhas caulinares dispõem-se de forma alternada e o seu limbo apresenta-se profundamente dividido em segmentos (lóbulos) de margens dentadas de forma irregular, terminando num lóbulo maior (folhas lirado-penatissetas).
Em Portugal a Eruca vesicaria floresce na primavera e mantem-se em floração até ao verão. As flores brotam no topo de um longo pedicelo, reunidas em inflorescências do tipo racimo: as flores inserem-se em diversos níveis no eixo comum e vão abrindo na extremidade do ramo conforme este vai crescendo. Desta forma as flores mais velhas e mais afastadas do ápice vão formando frutos ao mesmo tempo que no topo da planta as flores mais jovens mostram todo o seu esplendor.
As flores, de pedicelos ascendentes, apresentam a estrutura característica das Brassicaceae/Cruciferae, família a que pertence esta espécie. A corola é formada por 4 pétalas estreitas, livres e dispostas em cruz.
Intercaladas entre elas estão as 4 sépalas, persistentes durante a frutificação, as quais formam uma espécie de tubo, chamado unha. A unha protege a parte debaixo das pétalas, onde elas são mais estreitas, no ponto de inserção. As pétalas são de cor amarelo tão pálido que parecem quase brancas e são raiadas de finas nervuras de cor purpura ou violeta.
Apesar do seu pequeno tamanho são pétalas muito bonitas e tão delicadas que parecem borboletas. Os estames, de anteras amarelas, são 6 dos quais 4 são mais longos.
As flores são completas, isto é, estão providas de órgãos de reprodução femininos e masculinos, funcionais. A polinização é feita por abelhas e outros insetos.
Devido ao seu sabor intenso, ovelhas, cabras ou outro tipo de gado não são apreciadores da Eruca vesicaria e só a comem quando não há mais nada no pasto.
Phyllotreta cruciferae e Phyllotreta striolata - Wikimedia Commons
Contudo há insetos que não são tão esquisitos como é o caso de Phyllotreta cruciferae e Phyllotreta striolata que podem produzir grandes estragos na sua folhagem, caules e pétalas.
Xanthorhoe fluctuata - Wikimedia Commons
Eruca vesicaria é também alimento para as larvas de algumas espécies de borboletas noturnas nomeadamente a Xanthorhoe fluctuata.

Os frutos de Eruca vesicaria são síliquas, isto é, frutos secos, longos, e estreitos semelhantes a vagens cilíndricas, terminando num bico achatado e proeminente. Na maturação os frutos abrem-se longitudinalmente separando-se em duas valvas em cujo interior existem várias sementes de cor ocre, algo achatadas e dispostas em duas fiadas.
Rúcula, rúcula e rúcula:
Eruca vesicaria, Eruca sativa e Diplotaxis tenuifolia
Praticamente todas as espécies botânicas são conhecidas popularmente por um ou vários nomes os quais podem até variar dentro do mesmo país, conforme as regiões. Ao contrário dos nomes científicos que são universais, individuais e intransmissíveis, os nomes comuns não são fiáveis pois podem coincidir em espécies diferentes, originando confusão. É o que acontece no caso da rúcula. Na realidade, rúcula é um termo vernáculo utilizado para identificar espécies diferentes, mas idênticas na sua morfologia e sabor. Pertencem à mesma família (Brassicaceae) mas são de géneros diferentes. As folhas jovens e tenras das rúculas são muito consumidas hoje em dia, principalmente fazendo parte de saladas cruas, como guarnição principalmente em pizzas e também como condimento. Entre as espécies denominadas rúcula contam-se espécies pertencentes aos géneros Eruca e Diplotaxis, nomeadamente Eruca vesicaria, Eruca sativa e Diplotaxis tenuifolia. As folhas destas espécies têm morfologia semelhante e são caraterizadas por terem um sabor ligeiramente amargo, intenso e algo picante o qual se pode comparar ao do agrião mas mais acentuado.
Existe alguma controvérsia na classificação das espécies Eruca vesicaria e Eruca sativa. Embora classificada como espécie de direito próprio, alguns botânicos defendem que Eruca sativa não passa de uma subespécie de Eruca vesicaria. Outros consideram que a Eruca sativa é apenas a forma cultivada (do Latim 'sativus', significando 'cultivado' ou 'plantado') pois não encontram diferenças relevantes entre as duas. Nessa conformidade, a Flora Iberica confirma que algumas características assinaladas na Eruca sativa são consistentes com as formas cultivadas, podendo ser interpretadas como uma seleção artificial, tal como frutos mais longos e folhas maiores e comparativamente menos divididas.
Tradicionalmente distinguem-se as duas formas através das sépalas do cálice que tendem a ser persistentes na Eruca vesicaria e caducas na Eruca sativa mas ainda segundo a Flora Iberica as situações de persistência do cálice manifestam-se de forma esporádica em algumas populações silvestres e sobretudo a nível regional.
Embora estas três espécies possam à primeira vista ser confundidas existem algumas diferenças que justificam estarem classificadas em dois géneros diferentes:
- Género Eruca: Eruca vesiscaria e Eruca sativa, de flores brancas, são plantas de ciclo anual: nascem, florescem e frutificam, fenecendo no final da estação ou após a colheita das folhas a qual deve ser feita antes da floração, quando ainda são jovens e tenras. As folhas são mais largas e o sabor menos apimentado que na espécie Diplotaxis tenuifolia.
- Género Diplotaxis: Diplotaxis tenuifolia apresenta flores amarelas e é perene pelo que novas folhas crescem, na estação seguinte, a partir da mesma raiz. Em comparação com as espécies Eruca, a Diplotaxis tenuifolia apresenta folhas mais estreitas e o seu sabor é bastante mais picante/amargo e o aroma mais pungente.


Eruca vesicaria sativa
Diplotaxis tenuifolia - Wikimedia Commons
Através das diversas abordagens que foram realizadas para diferenciar os géneros Eruca e Diplotaxis foram observadas importantes diferenças nos seus compostos químicos, o que justifica a diferença nos respetivos sabores. Eruca vesicaria contém como principal componente derivados de kaempferol enquanto Diplotaxis tenuifolia contem derivados de quercetin. Embora diferentes, os fitoquímicos encontrados nestas espécies têm em comum potenciais propriedades farmacológicas o que faz das rúculas vegetais muito saudáveis e importantes para a nutrição humana tendo reconquistado um lugar de destaque à nossa mesa, pelo seu sabor, valor nutricional e baixas calorias. São também ricas em antioxidantes, vitaminas (A,B,C,K) e minerais (potássio, fosforo, ferro e enxofre). Os compostos dos flavonoides contidos nas suas folhas previnem certos tipos de cancro. Contudo, para que a alimentação seja equilibrada, não deve ser ingerida em excesso, pois em grandes quantidades inibe a absorção de iodo, prejudicando as funções da tiroide e levando ao hipotiroidismo.
A rúcula não é uma ideia nova, antes pelo contrário. Foi muito utilizada desde a Antiguidade, pelos povos do mediterrânico que já nessa altura conheciam as suas virtudes e a consideravam uma planta medicinal; não só extraiam óleo das suas sementes como consumiam as suas folhas cruas ou incluídas em sopas. Por ter propriedades estimulantes foi considerada uma espécie afrodisíaca e acredita-se que foi por esta razão que o seu consumo foi, em épocas mais obscuras, considerado moralmente reprovável e consequentemente marginalizado. Assim, por esta ou outras razões, o certo é que caiu em desuso tal como aconteceu com tantas outras plantas colhidas da natureza ou cultivadas em pequenas hortas para consumo próprio e que providenciaram alimento em tempos de carência.
Hoje em dia parece haver muita abundancia pois encontramos à venda, em qualquer altura do ano, muitas espécies de frutas e legumes que antes eram sazonais ou porventura exóticas. Criadas em estufas ou importadas, dão-nos uma sensação ilusória de variedade mas o certo é que com o êxodo rural muitas espécies deixaram de ser cultivadas e se perderam.
Pouco a pouco as espécies cultivadas e disponíveis para consumo vão-se reduzindo à uniformidade que as leis da procura impõem ao comércio, daí que o ressurgimento da rúcula tenha sido uma “lufada de ar fresco”, com consequente sucesso imediato.
Aparentemente as folhas de rúcula começaram por ser comercializadas na Austrália no início dos anos 90 do século passado, tendo sido desde logo um tremendo êxito que se espalhou ao resto do mundo civilizado. A novidade de um sabor diferente coincidiu com uma maior consciencialização da importância de consumir maior quantidade e variedade de produtos frescos e baixos em calorias. Também ajudou o facto de as folhas de rúcula terem sido lançadas no mercado em embalagens de produto lavado e escolhido, pronto a ser utilizado. Passou a ser o legume da moda, qual história de “Cinderela” no mundo da botânica, em que a modesta e rasteira planta silvestre subiu aos restaurantes “gourmet”. Mas infelizmente a popularidade tem um preço. Perante a escalada no consumo deste legume, pesquisas científicas têm sido realizadas no sentido de caraterizar as espécies comercializadas sob o nome de rúcula e perceber não só quais são as que apresentam colheitas mais rentáveis mas também as que têm melhor aceitação por parte dos consumidores. As espécies de sabor mais suave, menos ricas em glicosinolatos, parecem ser as mais procuradas. Em consequência é admissível que certas espécies venham a ser melhoradas em laboratório para lhes suavizar o sabor o que vai certamente reduzir as opções disponíveis no comércio. Os glicosinolatos, compostos encontrados nas espécies da família Brassicaceae/Cruciferae, e responsáveis pelo característico sabor mais ou menos picante destas plantas são importantes promotores da saúde, como antioxidantes e desintoxicantes. Por serem solúveis na água muito se perde com a cozedura, estando muito mais ativos nos vegetais comidos crus, em saladas, como é o caso da rúcula.

Ainda sobre a família Brassicaceae/Cruciferae:
As rúculas são espécies da família botânica Brassicaceae, também conhecida por Cruciferae. Cruciferae é o nome antigo mas este é ainda reconhecido como valido pelas autoridades competentes (ICBN Código Internacional de Nomenclatura Botânica) e faz referência às 4 pétalas dispostas em cruz que são características das flores desta família. A Brassicaceae/Cruciferae inclui cerca de 3700 espécies as quais estão agrupadas em 330 géneros. É uma família de grande importância económica. Cultiva-se um pouco por todo o mundo embora com maior prevalência nas zonas temperadas e atingindo maior diversidade na região mediterrânica. Algumas das espécies com valor comercial são ornamentais, outras são produtoras de óleos e gorduras vegetais obtidos através das suas sementes. De reconhecido valor nutricional, certas espécies são legumes imprescindíveis na alimentação humana, nomeadamente os brócolos, as couves, os rabanetes, os nabos, a mostarda e o agrião, entre outras. Muitas das espécies da família Brassicaceae foram, ao longo de milhares de anos, extensivamente alteradas e domesticadas não só levando à criação de novas espécies (por Ex: couve, repolho, brócolos, couve-flor e couve-de-bruxelas, apesar do seu aspeto distinto, provêm do mesmo ancestral silvestre comum e pertencem todas à mesma espécie, Brassica Oleracea), como também suavizando-lhes o característico sabor áspero e amargo.
O sabor característico das espécies desta família deve-se à alta concentração de compostos químicos nomeadamente os glicosinolatos, os quais exercem diversas funções nas plantas quer na regulação do seu próprio metabolismo e crescimento quer como defesa contra infeções por bactérias ou serem comidas por herbívoros. Na alimentação humana os glicosinolatos demonstraram ter potente ação preventiva em vários tipos de cancro. No entanto, a concentração de glucosinolatos é grandemente reduzida pela cozedura prolongada a temperaturas elevadas, tornando-se assim ineficaz como medida preventiva e curativa. Recomenda-se a ingestão em cru ou após cozedura a vapor e por um curto período de tempo, exceto no caso das pessoas que sofram de hipotiroidismo e metabolismo lento pois os glucosinolatos têm efeito inibidor sobre a função da tiroide, impedindo a absorção do iodo.

Fotos : Serra do Calvo / Lourinhã



domingo, 20 de outubro de 2013

Arum italicum (Miller)

Nomes comuns:
Alho-dos-campos; Arrebenta-boi; Bigalhó; Candeias;
Erva-da-novidade; Sapintina; Serpentina; Serpentinola; Jairo;
Jaro; Jarreiro; Jarro; Jarro-bravo; Jarro-comum; Jarros-dos-campos


Arum italicum é uma magnífica espécie de origem europeia que cresce de forma espontânea em bosques e sebes por toda a região mediterrânica ocidental (mais concretamente sul da Europa, incluindo Ilhas Britânicas, até ao norte de África), particularmente em locais húmidos ou sombrios.
Distribuição em Portugal
Fonte: Flora Digital de Portugal/UTAD
Aparentado com o famoso jarro (Zantedeschia aethiopica), planta exótica importada da Africa do sul e que é bastante comum em muitos jardins do nosso país, o Arum italicum não goza, entre nós, da mesma popularidade.
Zantedeschia aethiopica
Será talvez por desconhecimento porque em certos países do norte da Europa, como é o caso do Reino Unido, apreciam-no a ponto de comercializarem os seus rizomas cultivando-o amorosamente em canteiros de jardim e em vasos.
O interesse por esta espécie reside na forma e coloração das suas luxuriantes folhas (as quais se mantêm verdes durante todo o inverno), na forma bizarra das suas inflorescências e na cor avermelhada dos seus frutos. Esta espécie cresce particularmente bem e uma vez estabelecida dá origem, em poucos anos, a colonias alargadas.
A planta reproduz-se quer por divisão dos rizomas quer por sementes e pode tornar-se invasiva se as condições lhe forem propícias, sendo difícil de erradicar pois qualquer pedacinho de rizoma que fique na terra dá inevitavelmente origem a uma nova planta (o mesmo acontece com o jarro Zantedeschia aethiopica, típico dos nossos jardins). É também uma espécie muito variável podendo apresentar folhas de aspeto marmoreado, principalmente na falta de luminosidade.
Quando chega o outono o Arum italicum produz, diretamente de um rizoma, um pequeno grupo de grandes folhas sagitadas (em forma de ponta de seta), verdes e lustrosas as quais estão providas de longos pecíolos de cor verde claro. As folhas permanecem na planta durante todo o inverno e parte da primavera após o que ficam meladas e acabam por apodrecer, o que muitas vezes acontece ainda durante a floração.
As flores de Arum italicum, reunidas numa inflorescência racemosa (dispostas em torno de um único eixo), surgem em finais de março ou inícios de abril. Esta é uma espécie monoica em que coexistem flores masculinas e flores femininas, as quais são desprovidas de perianto (pétalas ou sépalas).
À primeira vista, a inflorescência de Arum italicum, apesar do seu aspeto peculiar, parece banal. No entanto a sua estrutura é muito complexa e extremamente especializada. É essencialmente composta por duas partes: o espadice e a espata.
O espadice é uma estrutura de eixo cilíndrico, de cor amarelada, espessa e carnuda em cuja parte inferior se apinham as pequeníssimas flores, dispondo-se em anéis onde flores férteis e flores estéreis se intercalam. As flores femininas férteis estão inseridas na parte mais inferior do espadice seguidas de um espaço preenchido com flores femininas estéreis que se reconhecem por terminarem num apêndice filiforme. Por cima dispõem-se as flores masculinas férteis e acima destas existe um novo anel desta vez composto por flores estéreis masculinas, igualmente providas de apêndices filiformes. A partir daqui o espadice alarga formando uma espécie de bastão ou clava, de ápice arredondado o qual serve de chamariz aos polinizadores devido ao odor fétido que exala durante a floração.
A espata é uma bráctea de grande limbo de forma lanceolada, com a extremidade aguda e ligeiramente curva, de cor branco-esverdeada ou verde-amarelada; a sua parede interna é muito lisa e também oleosa devido a secreções das glândulas existentes na epiderme.
A espata protege o espadice envolvendo-o completamente até a floração. Nessa altura a espata abre-se revelando apenas a parte superior do espadice; as flores ficam escondidas na sua base, numa zona tubular que forma uma espécie de camara armadilhada para “benefício“ dos polinizadores.
O sistema de polinização é bastante interessante e sofisticado, contudo dele resulta um elevado gasto de energias e que tem como consequência a degenerescência precoce de algumas partes da planta, nomeadamente folhas, espata e parte superior do espadice. É, no entanto, extremamente eficaz na promoção da polinização cruzada, preservando a variabilidade genética da espécie e daí o seu sucesso na reprodução de novos indivíduos saudáveis.
Foto cedida por JARDIN MUNDANI - Veja AQUI
Quando as flores femininas ficam maduras a temperatura do espadice aumenta sensivelmente em relação à temperatura ambiente, podendo chegar a uma diferença de cerca de 6 graus C ou mais, o que representa um gasto tremendo de energia. Este aumento de temperatura ajuda a volatilizar os compostos químicos produzidos pelo espadice acentuando o odor fedorento por ele produzido. Atraídos pelo seu cheiro favorito (gostos não se discutem…) os insetos polinizadores, geralmente moscas, tentam poisar nas paredes escorregadias da espata mas acabam por cair inadvertidamente no interior da camara onde se encontram as flores. Os apêndices filiformes das flores estéreis deixam passar os insetos mas impedem-nos de sair pelo que estes permanecem prisioneiros no fundo da camara onde estão as flores femininas. Debatendo-se para sair os insetos acabam por espalhar sobre elas o pólen obtido numa outra inflorescência, fecundando-as. Para reforçar o processo as flores segregam néctar o que persuade os insetos a deslocarem-se de flor em flor, procurando alimento. Quando as flores femininas estão fecundadas deixam de produzir o precioso líquido pelo que os insetos se atropelam procurando a saída, a qual é agora possível pois entretanto os apêndices filiformes das flores estéreis murcharam. Porém, é a altura de as flores masculinas férteis ficarem maduras e uma vez que o caminho de saída inclui passagem obrigatória pelos estames, os insetos saem carregados de pólen que irão deixar noutra flor, recomeçando o processo de polinização.
Terminada a polinização, a espata e a parte superior do espadice apodrecem e caiem ficando apenas as flores femininas que se transformam em frutos, primeiro de cor verde e depois vermelha, geralmente por alturas de junho.
Todas as partes de Arum italicum contêm compostos químicos que o tornam potencialmente tóxico, nomeadamente cristais de oxalato de cálcio (curiosamente os mesmos que formam os cálculos renais); estes componentes tóxicos podem ser neutralizados se cozinharmos a planta. Se ingerida em cru causa uma sensação de queimadura na boca e garganta com inchaço e asfixia, podendo causar a morte. No entanto os casos de intoxicação são raros pois o gosto amargo dos frutos e outras partes da planta são bastante dissuasores. Aparentemente até os roedores as acham intragáveis.
O Arum italicum pertence ao género Arum o qual se inclui na família botânica Araceae constituída por cerca de 4000 espécies, muitas delas de grande impacto no comércio mundial sobretudo nos setores de floricultura e alimentar. Muitas espécies são cultivadas e usadas em decoração de interiores e em espaços ajardinados em locais de meia sombra, nomeadamente cultivares dos géneros Dieffenbachia, Philodendron,  Anthurium,  Alocasia, apenas para referir alguns dos mais conhecidos entre nós.

Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã (exceto as gentilmente cedidas por Jardin Mundani)



terça-feira, 15 de outubro de 2013

Scilla autumnalis L.

Nome comum: Cila-de-outono

Scilla autumnalis é uma pequena e belíssima planta que vive em colonias mais ou menos extensas, geralmente florindo ao mesmo tempo que outra preciosidade, a Acis autumnale. Veja AQUI.
Scilla autumnalis floresce em finais de setembro ou inícios de outubro, sendo condição que o solo receba as primeiras chuvas prenunciadoras do outono.
É interessante notar que esta espécie desponta de um dia para o outro, de forma súbita e inesperada, dando a ideia de estar prontinha debaixo da camada de terra, na linha de partida, apenas aguardando pelos primeiros pingos.
Podemos encontra-la em pastos secos, áreas desmatadas, terrenos rochosos ou arenosos, distribuindo-se por quase toda a Europa, Noroeste de África e sudoeste asiático.
Distribuição em Portugal - Flora Digital de Portugal - UTAD
Scilla autumnalis cresce a partir de um pequeníssimo bolbo de forma ovoide ou esférica. Após o verão, terminado o tempo de dormência habitual nos bolbos, surge um único escapo floral, ereto, glabro e robusto, de 10 a 15 cm de altura.
As folhas, lineares e em número variável, são todas basais; só surgem após a floração e podem permanecer na planta até à primavera, enquanto o bolbo repõe energias.
Cada escapo floral produz de 3 a 15 flores providas de um pedúnculo e agrupadas num cacho simples e alongado cujo ápice termina numa flor. As primeiras flores a abrir são as da parte de baixo do cacho, progredindo gradualmente para o ápice.
As flores são muito pequenas não excedendo os 6 ou 7 mm de diâmetro.
Cada flor tem 6 tépalas (3 sépalas + 3 pétalas indiferenciadas) de cor azul ou violeta, oblongas ou quase elípticas, com uma nervura longitudinal de um tom ligeiramente mais escuro; estes segmentos dispõem-se de forma simétrica, em forma de estrela. As flores têm órgãos reprodutores masculinos e femininos. Os 6 estames são eretos, com filamentos grossos de cor clara e vistosas anteras de um tom de azul muito escuro.
Os frutos são pequenas cápsulas globosas que na maturação ficam cor de palha e se abrem longitudinalmente em 3 lóculos, cada um deles contendo de 1 a 2 sementes, pretas e semelhantes a pequenos cones.


Durante décadas esta planta foi conhecida como Scilla autumnalis L. mas recentemente for rebatizada com o nome Prospero autumnale (L.) Specta. Apesar de tudo, conforme as regras, o nome anterior é absolutamente valido e continua a ser usado pela maioria.
No que diz respeito à classificação científica da Scilla autumnalis, a situação é extremamente confusa. Apesar das modernas técnicas que providenciam dados morfológicos, quimiotaxonomicos, citológicos e moleculares os especialistas estão indecisos quanto à família e género, tantas são as características a ter em conta; em consequência muitas divisões foram feitas, géneros viajaram de uma situação para outra, muitas vezes o dito foi dado por não dito e assim nada está ainda totalmente resolvido no que diz respeito a esta espécie. Não só falta consenso mas, mais complicado que isso, as entidades de referência parecem não conseguir decidir-se com convicção.
De forma muitíssimo simplificada, a situação é a seguinte: Scilla autumnalis pertenceu em tempos à família Liliaceae, foi posteriormente incluída na família Hyacinthaceae a qual se tornou numa subfamília também chamada Scilloideae e que está de momento incluída na família Asparagaceae. (APG III, 2009).

Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã


domingo, 6 de outubro de 2013

Acis autumnalis (L.) Sweet, syn. Leucojum autumnale

Nome comum: Campainhas-do-outono

O alívio da chuva, abundante e prolongada, coincidiu com a chegada deste outono. O que significou transtorno para muitos foi novo alento para as plantas que a custo resistiram a um verão totalmente seco, permitindo também que as espécies próprias desta estação possam florescer e produzir frutos e sementes, atempadamente. As temperaturas continuam muito agradáveis e os insetos polinizadores que ainda permanecem em atividade aproveitam para se abastecer, antes da chegada dos frios.

A Acis autumnalis é uma das poucas espécies que florescem no outono. Embora de pequeníssimo tamanho e de aspeto delicado, quase frágil, é no entanto bastante resistente. Não se incomoda muito com o vento, gosta do tempo seco do verão e até suporta algum frio. Também não parece ter dificuldades em reproduzir-se pois é capaz de formar colonias que cobrem vastas áreas, propiciando um espetáculo inolvidável de pequenas “lampadinhas” brancas baloiçando ao menor sopro.
As flores, em forma de campainha, são de cor branca e parecem brilhar ao sol, dando a ideia de estarem salpicadas de pequenos cristais. A época de floração inicia-se no final do verão e prolonga-se para lá de outubro.
Geralmente cresce associada a outra espécie de tamanho semelhante e que também floresce no mesmo período, a Scilla autumnalis, de cor azul.
Podemos encontrar a Acis autumnalis em locais não sombreados como as clareiras de matos xerofílicos (secos, tipicamente mediterrânicos), montados, pinhais, em terrenos rochosos e até arenosos. Não tem preferência pelo tipo de solo mas desenvolve-se melhor em terrenos ácidos.
Distribuição em Portugal - Flora digital de Portugal/UTAD
A Acis autumnalis é nativa da Península Ibérica mas pode ser encontrada também na Sardenha e na Sicília assim como em Marrocos e na Argélia, sendo considerada um endemismo da região Mediterrânica ocidental.
A Acis autumnalis cresce a partir de um pequeníssimo bolbo, de forma ovoide. Primeiro surgem os escapos florais os quais são lisos, muito delgados embora sólidos, de cor avermelhada, geralmente não excedendo os 15/20 cm de altura. Cada bolbo pode produzir 2 a 4 escapos.
As folhas, todas elas basais, só surgem durante ou depois da floração e mantêm-se até à primavera, após o que desaparecem para que o bolbo entre em período de merecido descanso. As folhas, mais curtas que o escapo, são fininhas, maciças e semicilíndricas.
As flores, de hábito pendente, podem ser solitárias ou reunirem-se em inflorescências de 2 ou 3 flores. Logo abaixo do pedúnculo arqueado que sustenta a flor existe uma bráctea grande e membranosa, inteira ou com o ápice dividido em duas pontas.
Rodeando os órgãos sexuais da flor, sépalas e pétalas reúnem-se, indiferenciadas, em 6 tépalas denticuladas, de cor branca, rosadas na base.
As flores estão providas de órgãos reprodutores femininos e masculinos. Os 6 estames têm filetes curtos e grandes anteras amarelas.

Os frutos de Acis autumnalis são capsulas globosas e as sementes nelas contidas são negras e brilhantes.
A Acis autumnalis pode ser confundida com uma espécie muito semelhante, a Acis trichophylla (syn. Leucojum trychophyllum), podendo ambas as espécies coincidir nos seus habitats. É no entanto muito fácil distingui-las pois a Acis trichophylla floresce na primavera e A. autumnalis floresce no outono; A. trichophylla tem as tépalas mais compridas que a A. autumnalis; a bráctea de A. trichophylla está dividida em dois segmentos desde a base ao contrário de A. autumnalis que é inteira ou apenas dividida na ponta; a capsula das sementes é alongada na A. trichophylla e globosa na A. autumnalis.
Acis autumnalis pertence a um dos géneros da família Amaryllidaceae, tendo sofrido algumas alterações que tornam o seu percurso taxonómico bastante confuso. Em 1807 esta espécie foi classificada no recém-criado género Acis mas em 1880 foi transferida para o género Leucojum. No entanto, em 2004 estudos genéticos e morfológicos determinaram que as espécies antes incluídas no género Acis deveriam sair de Leucojum e regressar ao Acis. Receando nova reviravolta muitos autores continuam a usar a classificação anterior.

Fotos: Serra do Calvo/Lourinhã